“There is always some madness in love. But there is also always some reason in madness.”
— Friedrich Nietzsche
Tem dias que eu juro, o amor parece uma doença. Daquelas que passam de geração em geração, grudadas na alma, e a gente nem percebe que está doente até o corpo inteiro começar a arder. Uma febre que começa devagar, uma chama... mas que, sem avisar, vira fogo que queima tudo, até o que nem sabíamos que tinha para queimar.
Sabe aquela sensação de amar tanto que parece que vai explodir por dentro? É disso que eu tô falando.
E quando penso na pergunta "vale a pena amar até a loucura?", uma história antiga sempre volta à minha cabeça: a de Psique e Eros.
Porque ela não fala só de amor. Ela fala daquilo que a gente faz por amor. Dos limites que ultrapassamos, das regras que quebramos, do quanto sangramos. É sobre amar no escuro, literalmente.
Psique era uma mortal. Mas sua beleza era tão devastadora que as pessoas começaram a cultuá-la como se fosse uma deusa. Isso despertou a ira de Afrodite que não aceitou ser substituída por uma humana. Tomada por ciúmes, ela ordenou a seu filho, Eros, o próprio deus do amor, que castigasse Psique: que a fizesse se apaixonar pelo homem mais miserável da Terra.
Mas… adivinha? Ele mesmo se apaixona por ela.
Pela mortal que devia punir
E, entao ele escolheu amá-la escondido. Levou Psique para viver com ele, mas impôs uma condição: ela nunca poderia ver seu rosto. Ele só vinha à noite, permanecia anônimo, invisível. Era um amor vivido no escuro.
E não é assim que tantas vezes amamos? Quando nos apaixonamos pela ideia, pela projeção, por tudo o que criamos dentro de nós, sem realmente enxergar o outro como ele é? Psique aceitou esse amor por um tempo, mas aos poucos foi sendo consumida pela dúvida, pela necessidade de saber, de ver, de entender.
Impulsionada pelo medo de amar uma sombra, acendeu uma lamparina enquanto Eros dormia, querendo ver o rosto daquele que amava. A lâmpada revelou a beleza divina de Eros, mas uma gota de óleo quente caiu sobre ele, despertando-o.
Eros se sentiu traído e desapareceu.
Psique, então, ficou sozinha. Sozinha e desesperada.
Psique então é desafiada por Afrodite, que, com o rancor dá-lhe três tarefas impossíveis: separar uma montanha de grãos misturados, buscar água da fonte dos rios sagrados, e a mais temida descer ao mundo dos mortos para buscar uma caixa com a beleza de Perséfone.
Psique desaba em cada uma dessas tarefas. Chora. Sente medo. Sente dor. Sente vontade de desistir. Mas não desiste. Porque ela ama. Porque a escolha dela é o amor, mesmo que ele lhe custe a alma.
E talvez essa seja uma das respostas mais sinceras pra pergunta “vale a pena amar até a loucura?”
Depende. Você tá disposta a perder tudo por isso? Tá pronta pra encarar seus próprios fantasmas?
Mas olha, se Psique nos ensina alguma coisa, é que sim, pode valer a pena.
Desde que a gente não se apague pra manter o outro aceso.
Desde que a gente aceite o risco de perder.
Porque, no fim, amar até a loucura só vale se, depois da queda, voltarmos mais forte.
Perspectivas da Psicologia sobre o Amor
A ciência também tem suas coisas para contar sobre esse tal de amar até a loucura. Carl Jung, o mestre da psicologia profunda, dizia que o amor é uma viagem interna, um encontro com nossas próprias sombras. É enfrentar o que a gente tem de mais escondido, medos, inseguranças, desejos e mesmo assim continuar escolhendo o outro. Por isso amar de verdade mexe tanto com a gente: não é só o outro, é a gente mesmo em carne viva.
Já o filósofo Kierkegaard tinha um olhar sombrio sobre isso. Para ele, amar é um salto no escuro, um ato de coragem e desespero. Porque amar de verdade, do jeito que a gente sente, é se lançar no abismo da incerteza. E sabe o que ele dizia? Que “amar sem risco é simplesmente não amar”. E isso dói, né?
E será que a gente ama mesmo o outro... ou ama o reflexo de nós mesmos que o outro nos mostra?
Tem mais: a neurociência nos mostra que amar é literalmente um vício. Quando a gente ama, nosso cérebro libera uma mistura de dopamina, oxitocina, serotonina, aquela química toda que nos faz sentir eufóricos, dependentes, dispostos a tudo. É por isso que a gente diz que amor é loucura, porque o corpo não entende muito bem a razão.

Mas esse veneno é também o remédio. Porque só amando assim, intensamente, a gente sente que está vivo. Que o coração pulsa forte e que cada toque, cada olhar, vale a pena.
Evolutivamente, amar era útil ja que os laços afetivos aumentavam as chances de proteção, sobrevivência e cuidado com os filhos. Nos primórdios da nossa história, estar vinculado a alguém era uma questão de vida ou morte. Um par unido era mais eficiente na caça, na defesa, na criação de descendentes. O
Com o tempo, o que nasceu do instinto foi ganhando camadas. O instinto virou afeto. O afeto virou símbolo. E o símbolo virou poesia. Começamos a dar nomes aos sentimentos, a escrever canções, rituais, alianças, cartas. Amar deixou de ser apenas sobrevivência e passou a ser uma expansão da alma.
Criamos a ideia de amor eterno, de alma gêmea, de metade da laranja. Passamos a buscar não só abrigo, mas sentido. Queremos que o outro nos salve do caos interno, que seja nosso espelho, casa, norte. E às vezes esquecemos que amar ainda é, lá no fundo, um acordo de risco. Um acordo que a biologia ensinou, mas que a cultura complicou.
O amor como construção social
O amor, embora muitas vezes visto como um sentimento puro e espontâneo, é, na verdade, profundamente influenciado e moldado pela sociedade em que vivemos. Ao longo da história, diferentes culturas, épocas e grupos sociais construíram formas específicas de entender e expressar o amor, mostrando que não é apenas uma experiência individual, mas um fenômeno social.
O que chamamos de amor muitas vezes é só o reflexo do que nos ensinaram a desejar.
Desde o romantismo idealizado da Idade Média até as convenções modernas sobre namoro e casamento, o amor foi regulado por normas, expectativas e valores culturais. Essas construções sociais determinam o que é considerado um relacionamento “aceitável”, como as pessoas devem demonstrar afeto, quais papéis cada parceiro deve desempenhar, e até quem pode amar quem.
Além disso, o amor também é influenciado por fatores econômicos, políticos e religiosos. Em muitas sociedades, o casamento, um dos principais símbolos do amor oficial, funcionava como uma estratégia para alianças familiares e manutenção de patrimônio. Mesmo hoje, a mídia e a indústria cultural desempenham um papel fundamental na construção de imagens e ideais de amor, vendendo narrativas que moldam nossas expectativas e desejos.
Desde pequenas, nos contam histórias de amor perfeitas, de príncipes, finais felizes e paixões eternas. Mas será que esse amor “ideal” é mesmo real? Muitas vezes, o que a gente chama de amor é o que a sociedade espera da gente: amar de um jeito, agir de outro, sentir algo que cabe no padrão dos outros. A gente cresce ouvindo que para amar “de verdade” tem que ser daquele jeito, com aquela intensidade, ou até com aquela pessoa específica.
Amar é também uma construção nossa, um jeito único que a gente cria, entre erros, acertos, medos e coragem. É importante a gente se permitir sentir o amor do nosso jeito, sem se prender a rótulos ou expectativas que não fazem sentido para nós.
Por isso, minhas meninas, antes de se cobrarem para amar ou serem amadas, olhem para dentro. Perguntem para si mesmas: o que eu realmente quero? Como eu quero amar? Porque o amor que vale a pena é aquele que nasce da nossa verdade, da nossa liberdade e do nosso respeito. Amar até a loucura pode ser lindo, mas também pode ser doloroso, e está tudo bem a gente querer cuidar do coração, colocar limites, reinventar a forma de amar.
Como resumiu Nietzsche,
“sempre há algo de loucura no amor, mas sempre há algo de razão na loucura”
O que quero dizer é: amar até a loucura é se jogar no abismo e mesmo assim querer voar. É se perder para se encontrar. Psique perdeu tudo, até a si mesma e mesmo assim foi adiante, porque amar para ela era uma necessidade maior que o medo, maior que a dor.
Será que a gente precisa passar por tudo isso para sentir um amor que vale a pena? Talvez não todo dia. Talvez não com todo mundo. Mas quando acontece, meu bem... é um fogo que não se apaga.
Só quem já amou assim sabe o valor do silêncio que fica depois de um beijo, sabe o gosto amargo do reencontro, sabe o peso de um adeus.
E se você ainda não amou assim, ou se tá com medo de amar assim, eu te digo: é normal. A gente tem medo do que nos faz sentir tão vivos. Mas talvez o mais importante seja nunca deixar de querer sentir.
No fim das contas...
Eu não sei se vale a pena amar até a loucura. Mas sei que quem ama assim nunca mais volta o mesmo. E talvez isso seja o mais belo e assustador do amor.
Porque, no fundo, a gente quer é sentir tudo, até a dor, até o desespero. Quer viver o amor com todas as suas cores, luzes e sombras. Porque só amando assim a gente entende que viver sem amor, por mais poético que pareça, é só existir.
E talvez, só talvez, amar até a loucura seja o preço que a gente paga por estar realmente viva.